Economia capitalista e Nova economia: Contraste e transição
Economia capitalista e Nova economia: Contraste e transição
(Por: Jadir Mauro Galvão)
(Por: Jadir Mauro Galvão)
Não é novidade, ao menos para quatorze milhões de desempregados no Brasil, que uma profunda crise se instaurou na economia. Mas essa crise parece ter feições bem peculiares. Não parece ser fruto de um fator externo ou outro, de uma sazonalidade ou de fenômenos alheios a vontade de governantes e empresários. Ainda que os escândalos de corrupção cumpram hoje um papel preponderante na crise, ainda não é esse o ponto que aqui nos debruçamos. Tampouco é conveniente reputar que estamos apenas em um momento de crise, passageira como outras tantas que se viram ao longo de décadas. Falamos de uma crise que parece emergir do próprio modelo econômico vigente. Dito de outro modo, parece que não estamos em um momento de crise, mas num modelo em crise. Modelo que parece preferir a escassez à abundância. Que prefere apostar na competitividade da mão de obra porque reduz o preço. Que prefere comprar a empresa concorrente, (e mandar seus empregados embora) a competir com ela com produtos melhores. Que prefere a disposição do jovem à experiência dos mais velhos. Que prefere a tecnologia como mão de obra à falibilidade humana. Que prefere a obsolescência de seus produtos apenas para exigir nova aquisição e novo lucro. Questão de escolha. Produtividade, preço, custo, lucro… Não é exatamente culpa das empresas. Elas buscam seus valores. O problema é que tudo isso provoca uma série de impactos nocivos: Maior volume de lixo, esgotamento do modelo de emprego, problemas na sustentabilidade, crises sociais...
Muitos de nós nasceram, cresceram e prosperaram dentro desse modelo e mesmo viram o mundo progredir materialmente por conta dele. De modo que é necessário certo esforço adicional para admitir que tal crise seja decorrente desse mesmo modelo. Podemos até mesmo apontar os progressos tecnológicos das últimas décadas como evidências claras do sucesso do modelo econômico ainda persistente. Muito mais fácil reputar a responsabilidade pela crise a fatores externos, sazonais ou mesmo inefáveis a suspeitar das colunas de sustentação que ainda mantém um edifício tão brilhante e lustroso de prosperidade.
Mas, antes de tecer longas e difíceis análises conceituais acerca dos cânones da economia capitalista, tentemos efetuar um pequeno contraste com um modelo que parece emergir de uma nova leitura feita a partir desse mesmo avanço tecnológico que experimentamos. Aquilo que vem se caracterizando como Nova Economia: colaborativa, criativa, social...
Essa tal Nova Economia parece ter um ângulo de visão que lhe permite enxergar abundância onde a outra vê escassez. Do interior das práticas colaborativas que se espraiam cá e acolá, parece emergir um dos primeiros contrastes. A ideia de propriedade privada, tão cultuada pelo Capitalismo, cede lugar para a prática do uso, do acesso ao recurso. Ao invés de vender mais e mais carros, bicicletas ou construir hotéis, permite-se o acesso a eles a partir do cenário já existente de casas ou automóveis particulares. Acessar uma máquina, uma bicicleta, uma ferramenta, compartilhar um serviço parece fazer circular os recursos mais do que ter e vender. Aliás as idéias de propriedade, de lucro e de acumulação parecem muito mais represar riquezas do que fazê-las circular. Diferente das ideias de uso, acesso e compartilhamento que colocam os recursos em circulação e ainda geram trabalho, renda e benefícios para que os tem e também para quem usa temporariamente e não precisa empatar volumosos recursos na aquisição, tampouco no armazenamento em longos períodos de ociosidade.
No vão entre o segundo e terceiro setor da economia, isto é, entre as empresas privadas com fins lucrativos e as ONGs, emergem os Negócios Sociais. Conhecidos como o setor dois e meio. São iniciativas que tem por finalidade resolver algum problema social e tem no negócio, nos produtos oferecidos e mesmo no lucro o meio de atingir seus fins. Um novo contraste surge aqui. Se as empresas tradicionais vêem no oferecimento de produtos um meio de atingir seus objetivos de lucro, as empresas sociais vêem no lucro um meio de atingir seus objetivos sociais. Ambas podem e devem primar por excelência em gestão, por se tornar uma boa empresa para se trabalhar, por remunerar bem seus colaboradores, por oferecer bons produtos e serviços, mas nos negócios sociais parece que carroça e cavalo se colocam na ordem correta. Negócios como meio, pessoas como fim.
Uma lógica que emerge com feições mais humanas e menos mesquinhas. Se no modelo capitalista uma dificuldade surge como oportunidade de se lucrar mais, de aumentar o preço, na nova economia o negócio é a viabilidade de gerar trabalho, renda, dignidade e ainda por cima mitigar os efeitos das carências sociais.
Mais do que apenas oferecer resposta ao desemprego, o novo modelo também oferece antídoto a outra doença do modelo meramente capitalista. As melhores remunerações de trabalho encontram-se nas empresas que visam quase que exclusivamente o dinheiro pelo dinheiro: bancos, financeiras, cartões de crédito... Mas nessas corporações parece também existir entre seus colaboradores, mesmo nos mais bem remunerados, uma crise de sentido, de valor, de propósito. Onde todo o empenho, esforço, estresse e dedicação tem por finalidade apenas o dinheiro. No caso de negócios sociais o valor está na própria finalidade social, o que parece oferecer motivos melhores para engajamento dos colaboradores e, quem sabe, também dos consumidores.
Outro contraste que parece emergir nessa nova economia é na forma de relação entre os atores do negócio. Enquanto no outro modelo se privilegia o poder, o controle, a competição, o novo modelo parece preferir a proposição, a autonomia, e a colaboração. Não há que se esperar pela ordem do que deve ou não ser feito, mas cabe a cada colaborador propor com autonomia. Em um se trabalha para, no outro se trabalha com. Colaborar ou laborar com. Sutis diferenças na semântica mas gritantes na postura, na atitude e quiçá nos resultados.
Um fantasma que assombra o modelo anterior é a concorrência, a competição. Sempre numa busca (sem que se veja claro sentido) pelo crescimento e por abocanhar a maior fatia de seu mercado, as empresas com fins lucrativos competem acirradamente com seus concorrentes por mercados e por consumidores. Para tanto, investem vultosas quantias em marketing, em propaganda, senão em espionagem industrial para crescer mais do que seu concorrente. No novo modelo um novo negócio que busque o mesmo fim será talvez mais um colaborador do que um concorrente. Não há a necessidade premente de crescimento senão na conta de se atingir o maior número de beneficiados. Como o objetivo não é o lucro, tampouco a especulação e nem a distribuição de dividendos para acionistas, toda a rentabilidade pode ser partilhada em boas remunerações, em redução de carga horária de trabalho ou mesmo na inclusão de novos beneficiários do projeto.
Não há no novo modelo a remuneração do capital. Ator inefável promovido a ser atuante, por vezes com prerrogativas superiores às próprias necessidades dos humanos. Quem ja não viu massivas demissões em meio a crises tão somente com a justificativa (para alguns plausível) de fechar o balanço no azul? Como dito anteriormente nesses casos a carroça fica na frente do cavalo.
Se bem mostramos que o colaborador nessa nova economia precisa adotar novas atitudes, algumas empresas da economia capitalista também podem rever seus posicionamentos perante a nova economia. Bem verdade que algumas empresas tradicionais já apostam num modelo mais colaborativo. O conceito de Criação de Valor Compartilhado parece um elemento claro de transição. A Nestlé redesenhou seu modelo de negócio a partir desse conceito. Ao invés de promover uma concorrência entre seus fornecedores de leite, legumes e outros tantos insumos para seus produtos, ela prefere capacitá-los a produzir mais, melhor e com menor custo. Para tanto ela cria uma cadeia de valor que envolve pesquisas em universidades, articulações junto a setores público e mesmo privados, transferência de métodos e tecnologia, sempre no intuito de viabilizar uma produção de melhor qualidade e com menor preço. Com isso, além de criar valor para a comunidade ela também se beneficia. A Coca-Cola investe em água, a Natura em capacitar comunidades para que façam um bom manejo dos insumos provenientes da floresta empoderando a comunidade local. Empresas de papel investem em cooperativas de catadores de recicláveis. Tudo isso envolve uma mudança de olhar para o mercado.
Mas, talvez sejam necessários outras mudanças nas empresas do modelo anterior que melhor se adequem aos novos tempos. O modelo de poder e controle hierárquico e rígido possivelmente se tornará um tanto quanto mais descentralizado e participativo. Não compete só a uma hierarquia reduzida tomar as decisões, mas todo e qualquer participante com uma dose de criatividade e iniciativa pode propor ou receber propostas, ideias, objetivos, produtos etc. Ainda que devam existir pontos focais com conhecimento mais amplo para o devido alinhamento das iniciativas descentralizadas o papel nesse caso é mais o de articulação do que de comando, da facilitação do que de coordenação. Se ainda existem diferenças elas não comportam maiores privilégios. Não se trata da extinção da média ou alta gerência, mas uma transformação na sua conduta e importância.
As empresas antes fechadas em sí e em seus próprios emaranhados burocráticos precisaram aprender uma conduta mais permeável. Estabelecer relações com outros projetos, empresas ou pessoas como objetivos distintos. Para isso é preciso criatividade para estabelecer as relações mutuais. Outras iniciativas não tiram o foco, mas ampliam horizontes e podem enriquecer o negócio.
Essa permeabilidade pode proporcionar outros tipos de relação entre colaboradores ou parceiros de negócio que vão além de emprego ou da mera prestação de serviços. A natureza é rica em exemplos dessas relações. Mutualismo, comensalismo… Um saudável ambiente receptivo a novas ideias. Dentro do cotidiano pode existir um espaço para receber e acolher o novo, ainda que se precise de tempo para absorvê-lo e mesmo que se teime em reconduzir as negociações para os mesmos parâmetros antigos do lucro também será interessante doutrinar as novas condutas para que se libertem dos hábitos viciosos e rançosos de anteriormente.
É custoso mudar hábitos e crenças antigas, sabemos disso, mas os cânones dessa economia que aprecia a escassez parece se afeiçoar tanto a ela que acaba com suas práticas a produzi-la artificialmente e mesmo se beneficiar dela. Tanto o lucro, a propriedade privada, a acumulação de recursos, fusão de empresas parecem muito mais represar as riquezas disponíveis do dinheiro, de bens de possibilidade de trabalho do que criar um ambiente propício a geração de abundância. Mesmo os empréstimos geram dívidas e não riquezas. Preocupações e não dignidade.
O modelo capitalista surgiu justamente para tirar o mundo de um momento de severa escassez onde alguns poucos nobres mantinham para sí os poucos recursos disponíveis. E ao longo do tempo o fez bastante bem. Reinvestindo seu lucro em novas unidades de negócio, novos mercado, produzindo mais abundância, mais trabalho, e mais dignidade. Foi, por assim dizer, um remédio amargo para curar um mundo pobre e doente. Por outro lado hoje temos muito mais riquezas, recursos, informações e meios de comunicação do que em qualquer época. Voce tem, nós temos riquezas que desconhecemos. Temos conhecimentos e não aprendemos como usá-lo ao nosso favor; temos capacidades e a maior parte delas não está em uso; temos algumas ferramentas, mas não todas de que precisamos; temos conexões, e não sabemos o que fazer com elas; temos estratégias e muitas já não funcionam no contexto atual; temos uma visão da crise, mas não uma compreensão profunda dela; temos Ideias e precisamos de ajuda para colocá-las em prática; temos capacidade crítica e usamos mais para destruir do que para criar. E está tudo aí, disponível e com tempo de sobra. Falta apenas organizar isso tudo, mas como?
Foram os gestores das empresas que melhor organizaram esses recursos humanos, ou melhor riquezas. E o fizeram bastante bem, criando produtos, projetos, metodologias, departamentos, organizações, métricas… o problema é que toda essa organização serviu para finalidades pouco nobres. Para fazer crescer as iniciativas privadas com fins lucrativos. e acabamos por reproduzir o modelo excludente que devia ter sido superado. Muitos suaram seus macacões e paletós para o benefício de poucos. E foram pagos na menor conta possível para isso. Não se trata agora de nos organizarmos nas mesmas iniciativas privadas, mas nos cabe, de partida, redefinir os propósitos. Redefinir a própria ideia de empreender. E se ao invés de pensar em empreender como uma iniciativa privada com fins lucrativos nos organizássemos em uma Iniciativa colaborativa com a finalidade de criação de valor compartilhado? Ai, quem sabe, quando colocarmos o nome nessa iniciativa, não se resgate a ideia de razão social que todo empreendimento deve ter.
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