Cultura empresarial e sentido
Em algumas empresas é habitual
trabalhar até bem além do horário comercial tradicional. Virou parte da cultura
da empresa. Para o recém contratado desatento até passa sair no horário
estabelecido contratualmente, mas depois de algum tempo, quando este assume
integralmente suas atividades e as responsabilidades inerentes a elas, sair no
horário pode parecer displicência ou falta de compromisso. Cheguei mesmo a ver
casos de pessoas “trabalhando” em madrugadas e finais de semana, sem uma
justificativa plausível para isso. E essa não é uma prática esporádica, mas
contumaz. Por vezes, nos esbarros do cafezinho percebia-se certa “disputa”
velada de quem fez mais horas ou aquela disfarçada reclamação de estar cansado,
apenas para comentar o fato de ter trabalhado no domingo ou na madrugada
anterior. Para muitos, isso se transformava em pretexto para chegar um pouco mais
tarde e alongar a soneca matinal sem que isso pesasse na consciência.
Noutras, diferente disso, a regra
era cumprir o horário. Soava como eficiência! Sair cedo, ir para o happy,
conversar sobre futilidades com a justificativa de deixar passar o horário de
pico do trânsito. Entre as futilidades mais comuns, em meio a uma ou outra
reclamação pestilenta do chefe ou de algum desafeto, estava o quase sempre
presente objetivo de trocar de carro, de celular, notebook, como se isso fosse
a coisa mais urgente, sem o qual a vida pararia.
Poderia citar aqui um bom número
dessas esquisitices que, para quem tem o mundo corporativo como seu “habitat“,
pode parecer até natural. Contudo o ponto que gostaria de assinalar é que essas
condutas socialmente aceitas estão, no mais das vezes, recobertas com aquilo
que chamamos de “agenda oculta”.
Essas práticas parecem amiúde escamotear um casamento falido, um medo de perder
o emprego e uma boa estratégia para fazer o que o chefe aprecia e valoriza, um artifício
para lidar com algum tipo de dificuldade sexual, carência afetiva entre outras
tantas dificuldades comuns de nossa história do mundo cosmopolita
contemporâneo.
Essas dificuldades acabam por
aproximar pessoas afins e as práticas criam as chamadas panelinhas que, por
fim, culminam por forjar a cultura da empresa. Criam, por assim dizer, um
conjunto de costumes e valores sem o menor sentido profissional, mas que
acabamos por recobrir de significações arbitrárias e que, por ser compartilhado
pela maioria, ganham um ar de natural. Tudo isso transforma-se, muitas vezes,
em entraves toleráveis ao trabalho.
Existe uma grande confusão entre a
generalização dessas práticas bizarras com a real cultura de empresa. A cultura
acaba sendo encoberta por uma série de práticas que só com muito esforço
poderiam traduzir os valores, a visão e a missão real da empresa. No mais, acabam por prejudicar a todos. É preciso distinguir com sensatez a real cultura
da empresa, aquilo que realmente agrega valor a atividade profissional, desses
fantasmas que as assombram. A confusão acaba por criar um ambiente de trabalho
doentio e muitos bons profissionais acabam por não querer trabalhar nessa
empresa arrastando todo seu network na mesma direção. Lembro-me de um amigo que
me convidou para trabalhar em uma empresa dessas. Fiz a seguinte indagação: “...
muita gente, há muito tempo, fala muito
mal dessa empresa. Voce realmente acha que é uma boa oportunidade para mim?”.
Sem resposta, passamos a ver outras alternativas e continuamos amigos .
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