Decisões e escolhas
Decisões
são muito diferentes de escolhas.
Enquanto as escolhas levam em consideração o presente onde se está e o futuro
que as escolhas podem proporcionar, as decisões nos remetem a um presente restrito que temos de abandonar
e a uma possível reedição ou não do passado.
Por isso, as decisões são tão doloridas, exatamente pelo apego ao que já temos
e não queremos perder. Nas escolhas, o presente e o passado também estão
implicados, embora não sejam o mais importante e pouco interfiram em qual
escolha será feita, mas, em geral, numa decisão nos restringimos a uns poucos
pontos do passado e outros poucos do presente. Que pontos são esses? São os que
se assemelham ou não às situações passadas ou àquilo que teremos ou não de
abandonar no presente.
Se essas alternativas se apresentam com
certa similaridade com algum fato de nosso passado que consideramos ruins, essa
alternativa terá bem menores chances de ser a escolhida. Se, por outro lado, as
alternativas figuram com maior semelhança a algo que nos pareceu bom em nosso
passado, então a recobrimos de maior importância. No caso dos fragmentos do
presente, claro que sempre uma decisão busca nos tirar de uma situação incômoda
em nosso presente, mas não é o todo do presente que é ruim. Se a alternativa
nos oferece risco de perdermos algo bom, receamos. Se, pelo contrário, podemos
apenas nos afastar da parte que é ruim, então preferimos.
Quem já esteve sob o aperto de uma decisão
reconhece esse mecanismo e o vê como natural, mas as aparências enganam. Quando
enfrentamos uma decisão, esse foco demasiado em apenas alguns poucos aspectos
do passado e do presente provocam uma acentuada diminuição de perspectiva sobre
o todo de nossas vidas. Alguns aspectos não serão considerados e certamente
serão eles que reclamarão seu espaço em nos provocarão o sentimento de
arrependimento. Arrependimento é justamente isso. Quando o preço a ser pago por
nossa decisão é alto demais em relação aos benefícios proporcionados. Quando o
que abandonamos nos é mais caro do que o que conseguimos. Esse foco em poucos
aspectos pode retirar de nosso campo de visão e de análise uma quantidade
generosa de fatores que poderiam entrar na conta da decisão.
Simples, bastaria ter o tempo necessário para ampliar esse ângulo para
termos considerados esses e outros tantos aspectos. Mas aqueles pontos iniciais
que restringiram nosso campo de visão exercem tamanha pressão sobre nossa decisão que nos oprimem, cerceando nossa
liberdade para escolher. Colocam como que certa necessidade e previsibilidade
em nossas escolhas. O receio de ter de abrir mão de algo já conquistado, a
possibilidade, mesmo que remota de que algo ruim possa voltar a acontecer, o
medo de não atingir o objetivo esperado após todo esforço, o risco de que o
objetivo, mesmo que alcançado, não nos traga os benefícios esperados ou, pior,
todos esses ingredientes juntos. São esses os grandes monstros da decisão e que
nomeamos como: frustração, decepção e
arrependimento.
São pressões de nossa consciência, mas não apenas dela. Nossos
relacionamentos mais próximos e as regras morais da sociedade em que vivemos
nos impõem certas regras de conduta que premiam o sucesso e abominam o
fracasso. Esses fatores externos transformam o ato de decidir em um ato heterônomo, alheio. Vivemos numa cultura
do prático, que cultua o sucesso. Ora, sucesso é a adequação dos resultados às
expectativas, mas expectativas de quem? A pressão exercida pelo entorno por
vezes é tão forte que, buscando conquistar mais liberdade, corremos o risco de
abrir mão dela em prol de não corrermos o risco de uma eventual não aceitação.
Podemos, quem sabe, aprender a considerar todas essas questões e com um
bom exercício ponderar essas pressões a ponto de recuperarmos a autonomia de
nossas decisões, mas mesmo que isso aconteça, apenas ganhamos em autonomia, e não em liberdade. Liberdade, lembrando o filósofo francês Henri Bergson,
está na ausência de qualquer razão tangível para a escolha. Assim, estaremos
tanto mais livres de pressões quando mais estivermos libertos de qualquer tipo
de necessidades e opressões vindas do externo ou até mesmo de nossas vontades.
Ora, se nossas vontades nos oprimem nós nos tornamos reféns dela e, com isso,
nos tornamos previsíveis.
Mas nosso problema não termina até que nos libertemos da própria decisão. Sim, ela se impôs a nós
independentemente de nossa escolha. Provavelmente em decorrência de fatores não
pensados de decisões passadas. Ficamos assim reféns de uma cadeia de decisões
onde se embaralham decisões presentes com decisões passadas. É por isso que o
mesmo Bergson, num momento posterior, modifica sua concepção de liberdade. Se,
num primeiro momento a liberdade reside na ausência de pressões para a escolha,
ainda teremos de escolher, num segundo momento só encontraremos real liberdade
na criação do novo. Somente ganharemos
real liberdade quando nos colocarmos perante o futuro de mãos vazias. Não teremos como apanhar as surpresas da novidade se
estivermos com nossas mãos e mentes ocupadas com o antigo.
Se dissemos que sucesso é a adequação do
resultado às expectativas, tudo o que não se adapta às expectativas é erro, é
fracasso. Mas o que é a novidade senão, exatamente, a não adequação do
resultado a qualquer coisa que conhecemos? Grande parte daquelas experiências
passadas que buscamos repetir, foi tão boa pela novidade, pela surpresa e pelo
frescor do desconhecido. Se vivemos uma vida perseguindo o sucesso, sem saber
também perseguimos o passado do já conhecido. Tanto quanto abandonamos toda e
qualquer perspectiva de surpresa e novidade. Ora, será mesmo que devemos
permitir que a riqueza do nosso passado nos imponha limites e que nos reste
somente uma pobreza em nosso futuro?
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