Percepções e concepções

Alguns dos mais crônicos e difíceis problemas enfrentados pelas empresas decorrem de conceitos e paradigmas que norteiam suas ações mais cotidianas. São apenas conceitos, mas foram sobre estes mesmos conceitos que se firmaram as ações. São ações que resolvem alguns problemas, e exatamente por isso tem sua reputação, mas produzem outros problemas dos quais não nos damos conta. Tomemos por exemplo o paradigma dos processos e das boas práticas: Processos e boas práticas são um excelente meio de se evitar falhas cometidas em algumas atividades. Contudo são repetições do passado. Repetições de ações realizadas no passado, portanto, não há que se esperar qualquer surpresa, novidade ou criatividade. O problema é que a atividade das empresas se dá numa realidade em constante mudança, em constante transformação. A realidade e o mercado nos oferecem dificuldades que o passado não oferece resposta. Para atividades padronizadas temos os processos, mas não podemos requerer deles boas respostas para a novidade. De sorte que, os processos são ótimos apenas para a repetição do passado, mas será preciso um olhar apurado para identificar as mudanças e corrigir os processos ate onde são passiveis de correção. Todavia, cedo ou tarde, certamente ficarão obsoletos e precisarão ser superados. Esse será um momento de dificuldades para a gestão que precisará de um olhar de fora do processo para perceber sua inadequação e fragilidade. Será difícil perceber de “dentro” do processo, tanto quanto, certamente as pessoas adequadas ao processo antigo terão mais dificuldade de adaptação. Somos, em geral, guiados por hábitos e esses também são repetições do passado. O aprendizado requer adaptação e isso pressupõe falhas. Não há que se exigir perfeição nesse momento, tampouco eficiência. A aprendizagem impõe certa lentidão e falibilidade, mas nos lança a outro patamar evolutivo. Patamar esse que nunca atingiríamos repetindo o passado. Corremos o risco de estarmos tão envolvidos no dia a dia a ponto de não perceber a inadequação dos processos à realidade e acreditarmos que a equipe carece de motivação, ou até de demissões. Podemos perder talentos, competências e conhecimentos obtidos a duras penas, apenas por não termos uma percepção mais acurada da realidade. É que o mundo corporativo é movido por metas, cronogramas e resultados. Uma dualidade que pressupõe sucesso ou fracasso. E a realidade não funciona assim. Basta um pequeno conhecimento da filosofia de Henri Bergson, de John Searle ou de outros tantos para ver que é preciso certa adequação do pensamento com a realidade. Os conceitos nos fazem perceber apenas parte da realidade. Maculam nossa percepção sem que tenhamos consciência disso. Acabamos por acreditar que a realidade sempre tem que se adequar aos nossos conceitos e isso nem sempre será possível. Esta é apenas uma das muitas ilusões que permeiam o cotidiano corporativo e que a filosofia pode ajudar a ver com maior nitidez.  
O mundo corporativo foi forjado dentro de uma corrente filosófica bastante específica, mas poucos têm consciência disso. Sua atmosfera remonta as bases de um pragmatismo utilitarista que tem seu valor, mas é preciso conseguir vislumbrar o alcance que tal filosofia é capaz, bem como seus limites. Ainda que exista uma profunda adaptação das empresas com esse modo de pensar o utilitarismo nos limita a enxergar aquilo que é útil. Mas só podemos dizer de algo que é ou não útil, na medida em que sabemos de sua utilidade e isso é sempre da conta do passado. Como saber para que serve algo que ainda não conhecemos? O novo não se coaduna ao útil senão como resposta nova a um problema já antigo. Só saberemos da utilidade de algo novo após conhecê-lo. Mas o problema é que esse modo de ver o mundo nos coloca numa dualidade que aparta o útil do inútil. A novidade, a surpresa que poderiam trazer novo viço e nos conduzir a outras perspectivas, vista a partir do utilitarismo se transforma em coisa inútil ou em fracasso. É preciso redimensionar a percepção para poder abrigar toda uma gama de informações que nos passam despercebidas apenas por não vermos nelas alguma utilidade. Será preciso treinar o olhar para que possamos em justa medida conceber, mas apenas quando não é possível perceber. E esse é apenas um dos pontos em que a filosofia pode auxiliar na condução das empresas. 

Comentários

  1. Muito bacana esse post! :)
    Uma abordagem "relativista" também pode ser bem interessante sobre a dualidade "útil x inútil".
    Um abraço.

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  2. Oi Robes Baima Amarante, na verdade a perspectiva não é relativista. Procurei enfocar uma crítica bergsoniana da inteligência e seu modo de funcionar. Foi um determinado modo de pensar que nos conduziu a esses resultados. Ele oferece alternativas de outros modos de pensar e ver a vida. Obrigado pelo comentário, pela visita e pelo abraço.

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