Por que Filosofia nas empresas?

Filosofia nas empresas

(Por Jadir Mauro Galvão - artigo enviado para publicação na Revista Filosofia, ciência e vida.)

Resumo
O império da eficiência e da eficácia profissional acabou por se tornar mais importante do que a reflexão filosófica mais profunda. A dificuldade é que esse modo de pensar colocou no balaio das coisas inúteis uma generosa porção de coisas de real valor e que, cedo ou tarde, cobrariam seu preço. O modo corriqueiro de pensar da maioria das pessoas do nosso mundo globalizado ocidental está embebido dos pés à cabeça dos pressupostos de uma única corrente filosófica: o Utilitarismo. Tal modo de pensar, por ser compartilhado por muitas pessoas durante muito tempo, acabou por ganhar reputação de certo e, no mais das vezes, único. Muitos de nossos empresários e gestores altamente capacitados não percebem que seus próprios pensamentos e predileções rendem culto à essa corrente. É menos um modo de pensar autônomo e sim produto de certo tipo de doutrinação ideológica que nos impede de perceber suas limitações e mesmo de pensar fora das regras de seu próprio jogo. Filosofia nas empresas não é resposta a pergunta como a filosofia pode ser útil para as empresas, mas sim um modo de romper os estreitos modos de pensar utilitarista para permitir um melhor ângulo de visão fora dos limites ideológicos e mesmo o de repensar o papel das empresas e do trabalho na vida dos seres humanos. 


"Os defensores da expressão “cultura de massa” querem dar a entender que se trata de algo como uma cultura surgindo espontaneamente das próprias massas. Para Adorno, que diverge frontalmente dessa interpretação, a indústria cultural, ao aspirar à integração vertical de seus consumidores, não apenas adapta seus produtos ao consumo de massa, mas, em larga medida, determina o próprio consumo. Interessada nos homens apenas enquanto consumidores ou empregados, a indústria cultural reduz a humanidade, em seu conjunto, assim como cada um de seus elementos, às condições que representam seus interesses. A indústria cultural traz em seu bojo todos os elementos característicos do mundo industrial moderno e nele exerce um papel específico, qual seja, o de portadora da ideologia dominante, a qual outorga sentido a todo o sistema. Aliada à ideologia capitalista, e sua cúmplice, a indústria cultural contribui eficazmente para falsificar as relações entre os homens, bem como dos homens com a natureza, [...]. A mecanização conquistou tamanho poder sobre o homem, durante o tempo livre, e sobre sua felicidade, determinando tão completamente a fabricação dos produtos para distração, que o homem não tem acesso senão a cópias e reproduções do próprio trabalho." (ADORNO, 1996, p 8 e 9)


Duas faces da mesma moeda

Se temos o direito de oferecer um sonoro elogio ao mundo corporativo, este deve ser feito, indubitavelmente, àqueles pontos onde ele mesmo se gaba de sua excelência: a objetividade, o foco, o planejamento, a racionalidade na sua administração, e a busca incessante pela superação e aprimoramento. Estes são traços característicos que distinguem a empresa que prospera daquela que padece ou da que fecha suas portas. O estimulo à competitividade exigiu a profissionalização e especialização de seus quadros e foram, com isso, selecionados os melhores, cada qual em sua função. Foram exatamente esses traços que acompanharam, e porque não dizer, puxaram o desenvolvimento de nossa atual organização econômico-social: o capitalismo.
O grande apreço ao lucro e a acumulação de recursos conduziu o mundo que vivia no século XVIII um momento de escassez de recursos, pouco desenvolvimento tecnológico e uma pobreza generalizada, a um patamar de ciência, medicina, indústria farmacêutica, produção de alimentos e abundância de recursos, jamais experimentado pelo homem em qualquer época anterior. Conseguimos o milagre da multiplicação dos metros quadrados. Responda depressa: como colocar centenas, senão milhares de pessoas em, no máximo, cem metros quadrados de solo? Uns sobre os outros em arranha-céus de inúmeros andares. Essa potencialização dos resultados nos trouxe um máximo aproveitamento dos recursos disponíveis e cada empresa atuando em seu campo obteve tanto a maximização de seus resultados, como a minimização de seus custos e de seus insumos, sempre no intuito de obter uma melhora produtiva e administrativa. A curva da excelência buscando sempre seu ideal: ampliação de mercado, diversificação de produtos, transformação de seus processos produtivos, novas matérias primas, novos modelos de gestão, transformaram o mundo corporativo em centros de excelência.
Talvez seja justa a crítica feita a outros setores. Não alcançamos o mesmo patamar na educação, na administração publica e mesmo na saúde publica. Dessa forma, estes setores quando se tornam iniciativa privada de bons gestores acabam por trazer bons serviços e bons produtos. Os benefícios produzidos pela iniciativa privada conferiram uma qualidade de vida inimaginável. A busca pelo lucro acabou se tornando num potente motor do crescimento econômico e até de certo desenvolvimento social. É tão grande a confiança do modelo que na Declaração de Estocolmo[1] se afirmava: “Hoje em dia, a capacidade do homem de transformar o que o cerca, utilizada com discernimento, pode levar a todos os povos os benefícios do desenvolvimento e oferecer-lhes a oportunidade de enobrecer sua existência.”. Têm-se aqui um enunciado com ares de verdade absoluta. Nossa confiança no modelo capitalista somado ao naufrágio de seus concorrentes diretos nos levou a crer que as eventuais falhas nos processos fazem parte de um aprendizado constante no caminho que almeja a perfeição.
Por outro lado, se podemos nos arvorar a oferecer uma crítica ao modelo de administração praticado pelas empresas, não podemos deixar de anotar suas mais sonoras falhas e estas se dão na objetividade, o foco, o planejamento, a racionalidade na sua administração, a busca incessante pela superação e pelo aprimoramento. Sim, os mesmos pontos fortes que tornam uma empresa um signo de excelência podem ao mesmo tempo mostrar sua face mais mesquinha, cruel e, mesmo, ineficiente. Virtude que se transforma em vício oferecendo a outra face da mesma moeda. Podemos ver a questão da objetividade de dois modos diferentes: o primeiro na conta de que o importante é o resultado observável, isto é, objetivo em oposição ao subjetivo. Essa objetividade é louvável, mas também retira para plano inferior a interioridade dos seres humanos envolvidos no processo. Elogiar os objetivos alcançados, nem sempre terá o mesmo resultado do reconhecimento do esforço dos colaboradores. Digamos que esse expediente retira um bocado de humanidade do processo. O segundo modo de se ver a objetividade é oferecendo mais importância ao objetivo final do que ao percurso. Por vezes somos desafiados a superar limitações físicas ou psicológicas, de capacidade ou de tolerância e relacionamentos. Esses desafios afrontam nossas dificuldades mais delicadas e, por vezes, o objetivo a ser alcançado tem uma importância bem menor do que o que colocamos em jogo nessas superações.  Ou seja, na maioria das vezes o percurso é muito mais importante do que o objetivo. Ainda que para a empresa o mais importante seja atingir o objetivo final, parece que a realidade insiste em reconduzir nossa atenção aos dados que a VIDA considera mais importante: O crescimento dos seres humanos. Aliás, com freqüência, visamos os objetivos apenas no intuito de nos furtar a superar algumas dificuldades. Trocando em miúdos, muitos gestores, fazem questão de atingir certo objetivo no prazo determinado, apenas para escamotear seu mais profundo receio de ser considerado incompetente e ter de se defrontar com mercado novamente.
Quanto ao foco, tão estimado e querido no mundo corporativo, precisamos entender que quando nos focamos em algo, também esmaecemos todo o restante. Clamamos ao foco a solução de inúmeras dificuldades e, sem perceber, reduzimos nossa atenção a todo o restante que poderia ser uma solução simples, completa e definitiva de inúmeros problemas. E aqui não existe meio termo. É obrigação do foco, realçar um ponto, tornando-o mais nítido, tanto quando esmaecer todo o restante. Por vezes é disso que precisamos, mas usado sem cautela acaba por retirar da vista uma série de grandes outras oportunidades, tanto quanto uma generosa porção de surpresas que se insinuam graciosamente e surpreendentemente. Mas, por não termos olhos de ver, acabamos por desperdiçar surpresas que poderiam tornar a vida muito mais agradável e surpreendente.   
O planejamento, talvez seja o nosso vício mais insuspeito, afinal de contas um bom planejamento é sempre visto com bons olhos. Mas precisamos vê-lo com mais zelo e cuidado. Quando ele realmente funciona, e é justamente isso que esperamos de todo e qualquer planejamento, certamente ceifará qualquer possibilidade de novidade. Positiva e negativa. O que vamos obter é somente o que foi planejado e nada mais do que isso. A surpresa negativa foi completamente evitada, mas a surpresa positiva também. E talvez seja justamente a surpresa a responsável por momentos evolutivos e prazerosos. O erro, a falha, o fracasso somente se dão no confronto com as expectativas, mas quantas vezes perdemos, apenas pelo medo de errar, oportunidades de crescimento, aprendizado e até de inovação? Pior que isso, é que alguns tipos de fracasso são puníveis com demissão, e acabamos por ver profissionais de extrema qualidade serem expurgado apenas por uma falha. Prejuízo, muitas vezes, maior do que a própria falha. Mais do que isso, o planejamento é um meio de formatar o futuro a marteladas. É exigir que o futuro, que é prenhe de novidades, se torne apenas uma repetição do passado ou atenda a uma expectativa pobre e já pensadaanteriormente. Perdemos toda uma gama de riquezas que o futuro poderia graciosamente nos oferecer, apenas para cumprir um planejamento.     
Outra daquelas (quase que) verdades absolutas parece ser a racionalidade da administração. A curva ideal entre custo e benefício. Mas ainda aqui entra o conflito entre teoria e prática. Se utilizarmos adequada e perfeitamente a racionalidade da administração, veremos que o trabalho automático, feito por máquinas ou computadores, tem um menor índice de inadequação do que o trabalho humano. Isto nos leva a uma racionalidade que acaba por prescindir da atividade humana, privilegiando a máquina em detrimento do homem. Do ponto de vista administrativo isso não é problema algum Contudo, o melhor administrador deve trabalhar arduamente para que o seu próprio trabalho seja, sempre que possível, dispensável. Atitude que relega o homem para o terceiro plano, logo abaixo do lucro e da eficiência. Ainda que o anseio do ser humano tenha sido ao longo de toda a história do Capitalismo o de se livrar das tarefas mais árduas e dedicar mais tempo ao ócio ou a atividades estéticas, ainda não resolvemos o problema da falta de trabalho. Uma vez que só conseguimos os recursos necessários à nossa vida com dinheiro e só o conseguimos (licitamente) com trabalho, a falta dele nos coloca frente a uma dificuldade difícil de superar. Ainda que tenhamos conseguido nos livrar das atividades mais árduas, ainda temos de dedicar longas horas de trabalho, pois existe uma mediação social baseada no dinheiro. Criamos meios para nos livrar do trabalho e novamente nos aferramos a ele, por outros motivos. Motivos mais ideológicos do que propriamente lógicos.
Outro ponto que é bastante interessante é a busca incessante pela superação. Historicamente a competitividade foi justificada por conseguir o estimulo necessário ao aperfeiçoamento e a busca pela superação pessoal. Baseado nesse estimulo muitas alternativas foram abertas como cursos técnicos, de pós-graduação, MBA, cursos de informática, línguas... aliás, o mercado acabou ficando mais exigente e acabou tornando tais aperfeiçoamentos uma exigência. A dificuldade é que os esforços no sentido de ganhar competitividade acabaram mais retirando do foco as coisas que mais diferenciavam os profissionais e tornando-os semelhantes e mesmo indiferentes. O esforço para se diferenciar acabou formando commodities humanas compradas ao menor preço. No esforço de ganhar a dianteira acabamos por ficar todos alinhados e no mesmo nível. Do ponto de vista da empresa esse parece ser um bom negócio: profissionais mais bem preparados e mais baratos. Todavia, tal mesmice acabou por retirar o brilho das diferenças e a genialidade particular. Acabou por formar profissionais com títulos, mas sem brilho. Numa palavra: mais medíocres. 


Paradigma de verdade?

Mas essa característica de não perceber os limites tênues entre virtude e vício não é privilégio apenas do mundo corporativo. Em geral o próprio Capitalismo em sua essência acabou por padecer do mesmo erro. O grande apreço ao lucro e a acumulação de recursos que conduziu o mundo da escassez para a abundância produtiva, acabou por se transformar em uma máquina geradora de marginalidade. Joan Robinson, economista britânica que viveu no século XX nos diz: “O capitalismo moderno acha-se bem adaptado para produzir sucessos técnicos fabulosos, mas não para fornecer a base da nobre vida acessível a todos [...]” (ROBINSON, 1980, p 241). Nascido sob a bandeira da liberdade, igualdade e fraternidade, ainda que tenha permitido a todos (ou ao menos a alguns) a liberdade de ascensão social, não ofereceu a mesma igualdade de condições para todos. De fraternidade sequer poderíamos mencionar, pois essa ficou, por demais, restrita a pequenos círculos. De sorte que, embora tenha produzido riquezas que o mundo sequer havia imaginado, não foi capaz de oferecer democraticamente a mesma a todos. Preservou a mesma característica excludente do modelo anterior a que sucedeu.
Mesmo seu viés utilitarista que se transformou em paradigma de verdade e alavancou um progresso gigantesco para o mundo, acabou por nos colocar diante do futuro mais concentrado nos espelhos retrovisores do que nele próprio. A ideia de utilidade só faz real sentido quando sabemos antecipadamente a função prática de determinada ação ou recurso. Se já sabemos sua utilidade, tal conhecimento só pode advir do passado. Não temos como saber para que serve aquilo que não conhecemos, o novo, o desconhecido. Ainda mais, olhar para o futuro apenas visando algum tipo de utilidade, parece acabar empobrecendo e restringindo nossa amplitude de visão. Encolhendo nossas perspectivas. Esse futuro prenhe de possibilidades novas se revela inusitado, mas a ideia fixa da utilidade ceifa toda novidade apenas para reproduzir o passado no futuro ou uma expectativa que nos priva da surpresa, do surpreendente.
Mesmo o próprio capital que foi o motor de um portentoso crescimento, na medida em que nos ofereceu meios de obter valores que antes não tínhamos acesso, acabou por transgredir sua índole de meio e transformar-se em fim em si.  Parece que hoje mais trabalhamos para obter o dinheiro apenas pelo próprio prazer de possuí-lo do que meio de obter coisas de real valor. Até o mercado de trabalho parece ter migrado suas melhores oportunidades para esses setor que, de essencial, nada produz. Isso parece produzir certo vazio de sentido para muitos de seus profissionais. Vazio que torna o ato de despertar pela manhã um esforço hercúleo. Parece que nossos músculos e mesmo nosso cérebro teimam em resistir àquilo que tentamos nos convencer de que o dinheiro pelo dinheiro seja importante por si mesmo. Vazio de sentido que muitos tentam, em vão, preencher com a roda do consumismo, com uma roupa nova, um carro novo. Vazio que parece se arrefecer ante a propriedade do magnânimo cartão de crédito. O ato de comprar parecer se tornar mais prazeroso que o próprio produto. Mas essa característica também foi absorvida pelo mercado que acabou se beneficiando dessa busca insaciável e acenando alegremente com outra compra. Droga lícita que faz girar o mercado e a economia.      

Influência filosófica

Mas foi exatamente esse caldo filosófico que acabou por se disseminar na cultura das empresas. Menos pelo seu próprio vigor conceitual, e mais pelas condições históricas propícias ao seu desenvolvimento, disseminação e consolidação. Habituamos-nos ao modo de pensar utilitarista e ele acabou por se transformar em paradigma de verdade corrente e até no modo correto e bem sucedido de pensar. Fizemos uma apologia ao sucesso, tornando-o símbolo de correção e relegamos todos os outros resultados à condição de fracasso. O apreço à ideia de útil dividiu o mundo em coisas úteis e inúteis. O próprio ser humano acabou por se adaptar a essa ideia e ele mesmo quando não se mostra como útil, acaba por se sentir e mesmo ser considerado inútil.
Os profissionais foram por muito tempo (e hoje ainda o são por muitos), chamados e considerados como “Recursos Humanos”. A diferença entre os recursos materiais parece ficar reduzida e, nesse caso, nossa conduta passa a ser a mesma tanto para um quanto para o outro. Se o recurso material dá algum defeito, quebra ou se torna obsoleto, consertamos ou jogamos fora e substituímos por outro. Com muitos profissionais a conduta é a mesma. Se não é mais útil, joga-se fora ou substitui-se por outro mais novo. Tal procedimento que, olhado de determinado modo pode ate parecer correto, pois, em geral, os custos e a produtividade parecem vir antes da dignidade humana, acabaram por produzir um ambiente profissional bastante insalubre. Mesmo nosso companheiro de equipe quando diminui sua produtividade, acaba por se tornar um risco à nossa sobrevivência no jogo das empresas e num passe de mágica se transforma em uma engrenagem enferrujada que deve ser substituída, sem que se considerem fatores outros que não a própria produtividade e utilidade.
A competitividade tão fomentada e valorizada como signo de excelência acaba por produzir adversários mais do que produzir um ambiente de cooperação que seria propício a um bom resultado do trabalho em equipe. Pode parecer um modo piegas de olhar o mundo corporativo, mas a vivência por longos anos nesse ambiente mostrou que, na verdade o tiro sai pela culatra. A busca por selecionar os melhores acabou por gerar, nos outros, um sentimento de extinção, ou pior, o de demissão! Nessa esteira, para salvaguardar seu posto, muitos são aqueles que remam apenas para que não existam vencedores, pois deste modo eles seriam derrotados. Parece que a lei da física se mostra eficiente: puxar para baixo dá menos trabalho e oferece menos risco do que empurrar para cima.  
Algumas empresas prosperaram, por terem uma percepção sagaz do mercado que as permitiu vislumbrar oportunidades de negócio de necessidades dos seres humanos e da sociedade. Outras, não tendo a mesma perspicácia, não se sentiram, por causa disso, prejudicadas, pois a posição de vantagem que ocupavam acabou por oferecer a possibilidade de criar algumas dificuldades deliberadamente apenas como meio de vender e lucrar com a venda da facilidade, como solução do próprio problema que criaram.  A inovação de seus produtos deu luz ao conceito de obsolescência programada.
Outro dos símbolos de eficiência, aquele que divide as empresas em departamentos, no intuito de serem mais bem administradas, nosso conhecido organograma, acabou por produzir competições políticas internas em disputa de poder que acirraram uma luta por espaços que acabou por prejudicar o bom andamento da empresa, dada a competitividade que vê no fracasso de um ou outro projeto a justa oportunidade de ganho de um espaço político de prestigio dentro da empresa.
Em suma, as empresas, junto com uma organização nascente, forjaram para si, para sua consolidação, uma estratégia de funcionamento que privilegiou o útil, o prático, o eficaz, a ascensão social, o lucro e todo um conjunto de valores que relegou o homem, a beleza, a arte, o sagrado, o lúdico, o ócio, o pensamento crítico mais consistente e a metafísica, para planos bastante inferiores. Sem a real noção do risco que corriam, tomaram cegamente seus signos e seus valores em detrimento de outras coisas de grande importância, mas que não se alinhavam aos objetivos escolhidos. Fizeram suas escolhas, mas sem se atentar para as renúncias inerentes a elas. Criaram para si uma cultura que perdura até nossos dias atuais, mas que hoje gera mais dificuldades do que benefícios. Cria um ambiente corporativo corrosivo e insalubre.
Essa pode ser considerada uma critica piegas, mas apenas o será para aquele que esta em vantagem no jogo. Aquele que experimenta o sucesso e ainda goza de seus prazeres. Mas esse também terá, cedo ou tarde, seu dia caça e ao repensar seu próprio esforço no sentido de obter ou manter seu próprio patamar de prestígio social, pagará o preço da competitividade e será ultrapassado por outros nesse jogo que parece considerar que a vida foi feita para o trabalho e não o trabalho foi feito para a vida. Quando percebermos que a ideologia conduziu a carroça para frente dos bois, e que, no jogo, a vida é um preço baixo a ser pago em prol do trabalho. Já será tarde demais e teremos perdido a vez para outro jogador que nos conduzirá para a parte mediana do jogo.

Prenúncios de mudança

A despeito de todas as dificuldades relacionadas e que ainda persistem como modelo de conduta, já é possível perceber alguns sinais de transformação. O tema da sustentabilidade, que exigiu um novo olhar das empresas para as questões sociais e para as questões ambientais, acabou por revelar alguns erros e tem reconduzido paulatinamente nossa atenção a coisas de real importância. O paradigma cartesiano das partes parece estar sendo substituído pela ideia de um pensamento Sistêmico complexo. Mesmo os organogramas parecem exigir uma redesenho de sua arquitetura. Os muros departamentais parecem estar ruindo ainda que timidamente. O interesse crescente pela filosofia parece ter a capacidade de retirar as estruturas meramente burocráticas da caverna para oferecer um caráter mais verdadeiro e reconduzir as carroças e os bois cada qual para seu lugar. Parece que a equação começa a colocar os fatores em outra ordem sem modificar o resultado do cálculo. Se trabalhamos para viver ou se vivemos para trabalhar. Se o trabalho serve para termos uma vida boa ou se a vida boa pode ser sacrificada em prol do trabalho.
O projeto Filosofia nas empresas pretende justamente revelar os erros mais comuns dentro das empresas e fazer com que sejam superados e reconduzidos ao seu lugar mais apropriado. Valores mais importantes acima de outros menores. Meios como meios, fins como fins. O trabalho com sua devida importância e valor, mas sempre, e de qualquer forma, apenas como um dos inúmeros aspectos da vida do ser humano. Nem o principal, nem o único, tampouco o de maior valor. Preservando o original sentido da vida e de seus objetivos mais nobres e mais humanos.
Com um início tímido num blog gratuito, com reflexões modestas sobre uma vivência pessoal, acabou por ser promovido a livro[2] e ganhando leitores que se contam aos milhares. Para colocar o tema em questão, um programa de rádioweb[3] vai ao ar promovendo um debate dos temas e trazendo figuras de peso tanto do mundo prático das empresas quanto teóricos da administração, economia, psicologia e filosofia. Um curso de especialização na área no intuito de formar novos pensadores de filosofia nas empresas para colocar os problemas em perspectiva, em profundidade e em discussão. Esforços que acabam aumentando o interesse do público.
Todo o esforço do projeto visa resgatar a dimensão do humano e oferecer um ambiente propício ao trabalho feito de modo prazeroso. Criar no âmbito dos negócios e do trabalho um ambiente cooperativo, onde aquele que esta ao meu lado não é meu concorrente, nem meu inimigo, nem apenas um colega de trabalho, mas sim um ser humano com sua dignidade. Visa também oferecer um ganho de produtividade, não à custa de espremer as equipes com metas cada vez mais apertadas e exigentes, mas por trazer um ambiente agradável de cooperação e sinergia onde todos compartilham momentos de prazer, em uma atividade que gere valores necessários para a sociedade humana.
O termo Recursos humanos vem paulatinamente substituído por Capital humano, a hierarquia rígida de outrora vem dando espaço para iniciativas de equipes auto lideradas. Pesquisas de clima organizacional vêm sendo estimuladas e a sinergia dentro e ente equipes são fomentadas. Ainda que tais iniciativas ainda tenham como finalidade o aumento da produtividade e, com isso, do lucro, parece que as iniciativas conspiram para uma mudança de paradigma. Parece que ainda não ficou claro o que é causa e o que é efeito. O declínio da produtividade, o aumento de erros nos processos não são a causa do declínio nos lucros. Mas o foco apenas no lucro é a causa do declínio de produtividade e o aumento de erros nos processos. Não se trata de esquecer o lucro, mas de reencaminhar nossas prioridades para uma escala de valores mais lógica e menos ideológica. Pessoas e produtos são mais importantes do que o lucro. Liderança de mercado no paradigma quantitativo não produz valor para o ser humano, apenas desumaniza a vida. Vender produtos em quantidade apenas para ter mais lucro gera trabalho desnecessário, lixo indesejado e escasseia recursos naturais. Ainda que timidamente algumas empresas parecem se encaminhar para o paradigma qualitativo. Produtos sustentáveis e com qualidade para durar mais tempo rompendo a ideia de obsolescência. Ainda que corram o risco de, durante certo tempo, padecer e se verem ultrapassadas no aspecto quantitativo, num segundo momento reassumirão a ponta quando o que imperar for a qualidade. Estão dando não um passo para traz, mas um salto em direção ao novo milênio.
Em suma, o mundo das empresas passa por transformações. A influência utilitarista que transformou o mundo, mas estreitou nossas perspectivas parece ter cumprido bem seu papel, mas agora deve ceder a outras visões com maior alcance, amplitude e profundidade. Seu jeito tacanho de observar as coisas, apenas vendo sua utilidade, parece tirar da vida a beleza, o sagrado, o convívio com familiares, amigos, a vida cultural, o conhecimento gratuito e a possibilidade de criar. Foi bastante interessante obter inúmeras respostas para as perguntas antigas, mas talvez já esteja a hora de fazer novas perguntas. Questionar o real sentido das coisas e de nossas atividades diárias. Ainda teremos de lidar com a parte prática de nossa vida, mas precisamos entender que ela não pode roubar todo o restante.   

Referências

ADORNO, Theodor W. “Adorno – Vida e obra”. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
GALVÃO, Jadir Mauro. Filosofia nas empresas. São Paulo: Paulus, 2014
ROBINSON, Joan. Liberdade e necessidade. São Paulo: Abril Cultural, 1980 (Coleção Os Pensadores)



[1] Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo no ano de 1972
[2] GALVÃO, Jadir Mauro. Filosofia nas empresas
[3] Toda terça feira das 15.00 as 16.00 horas pela www.redeblitz.com.br o programa Filosofia nas empresas

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