Sobre emprego e trabalho. Uma nova fase na economia
Sobre emprego e trabalho. Uma
nova fase na economia
(Por Jadir Mauro Galvão)
Nasci e cresci dentro de um
cenário de emprego. Quase tudo girava ao redor dessa ideia. Dentro de uma
família que trabalhava empregado em grandes empresas. As pessoas organizavam
suas vidas dentro dessa realidade que por arrastar um grande contingente soava
como realidade última e natural, assim como respirar ar. Dormia-se cedo, pois o
emprego cobrava. Estudava-se para se ter melhor sorte no emprego. Se, por obra
da sorte ou do acaso, ocupássemos uma vaga na área de contabilidade, de
compras, de vendas ou outra qualquer de uma grande empresa, o mais “natural”
era dedicar seus estudos a essa área, pois isso iria potencializar suas
oportunidades. Perder o emprego era contingência e a busca por outro o caminho
a ser seguido.
Nem todos conseguiam ocupar vagas
em grandes empresas, mas essa possibilidade era sonho majoritário. Um cargo de
liderança em uma grande organização era sinal de prestigio, bom salário,
competência e mesmo a garantia de certa estabilidade financeira. Faculdades
guiavam seus esforços no intuito de prover o conhecimento necessário para que
seus formandos tivessem a capacidade de ocupar boas vagas dentro desse mercado.
Algumas empresas mesmo usavam a formação em determinadas instituições de ensino
como critério ou requisito de seleção.
As ofertas de emprego eram
exigentes, mas fartas. Havia certa sazonalidade das profissões, mas um mercado
aquecido também aquecia a oferta, tanto quanto a concorrência. Tudo isso era
alavancado por um crescimento econômico sem precedentes e que oferecia um
razoável mercado para profissionais de diversos tipos e múltiplas competências.
Em geral não se consultava previamente as qualidades dos postulantes a
profissional. Era a necessidade do mercado de trabalho que regia a lei de
oferta e procura de empregos, bem como a direção de seus esforços da educação e
das pessoas. Se o mercado tivesse necessidade de engenheiros, jovens de todos
os lados de acotovelando para conseguir formação na área com maior carência. Se
por outro lado o mercado precisasse de economistas, seus profissionais eram
mais bem remunerados e dai em diante. As regras eram ditadas pela
empregabilidade, estabilidade profissional, remuneração, etc. Se não eram
profissões altamente técnicas, ainda havia bastante espaço para as posições
dentro da burocracia administrativa. Um formado contador poderia ocupar vagas
em contas a pagar, a receber, contabilidade, finanças, custos e outros mais.
Este cenário perdurou por várias
décadas e muitos, como eu mesmo, viram nessa dinâmica algo de real e verdadeiro
que duraria por todo o sempre. A mecânica de funcionamento da sociedade
contemporânea. Qualquer que fosse o regime político a interferência no processo
seria maior ou menor, mas, de qualquer modo, incapaz de modificar
significativamente o quadro. Algumas épocas de recessão, de crise econômica ou
até mudanças na economia arrastavam as vagas da indústria para o comércio,
depois para os serviços, bancos, financeiras. Surgiram com vigor os cartões de
crédito, as seguradoras e os negócios que giravam para o e pelo dinheiro
acabaram por arrastar elevados contingentes de profissionais para suas
fileiras. As crises faziam minguar as vagas, mas tempos depois elas reapreciam,
redimensionadas, reconfiguradas, pagando um pouco menos, mas perduravam.
Mas algumas das regras desse jogo
já prenunciavam seu destino. Redução de custo, redução da folha de pagamento,
fusões, mercado globalizado, computação, robotização, otimização de processos,
adoção de boas práticas, automação comercial, sistemas de gestão, sistemas
gerenciais... Tudo isso fazia o barco remar na direção da parte mais rasa do
rio até então caudaloso de oportunidades profissionais. Todo o ganho de
excelência administrativa, todo o crescimento econômico alcançado, não teriam
como desembocar, senão no cenário atual de crise de emprego. A curva de
crescimento que teve seu pico nos anos 70, 80 e 90 tomou outra direção e
começou a entrar em franco declínio.
Não se trata de uma crise
momentânea para depois se reaquecer, mas de se estabilizar num patamar mais
condizente. No fundo, o bum do crescimento econômico produziu uma quantidade de
empregos que não poderia se sustentar sem que isso produzisse efeitos danosos a
todos. A produção da indústria se estabilizou, o comércio acompanhou e também
reduziu. Cresceram os serviços, mas a ponto de também não conseguirem absorver
todo o contingente migratório da indústria e do comércio.
No fundo o cenário de abundância
de empregos cresceu como uma bolha e, como tal, cedo ou tarde explodiria ou
murcharia. A farta oferta de empregos ao longo de décadas funcionou como um
grande torrão de açúcar próximo a um formigueiro. Mas, o fato de o cenário
perdurar por décadas nos fez acreditar que seria uma maneira perene de ser e de
existir. Não havia necessidade de outro tipo de economia, de outros tipos de
trabalho, nem de organização profissional. O emprego supria a necessidade da
maioria. Arrastava potenciais atores para o perfil de vendas, músicos para
funções burocráticas, agricultores para as fábricas, pensadores para o ramo da
computação. Era mais fácil aproveitar as oportunidades e as razoáveis
remunerações do que arriscar tentar ganhar a vida com a arte, com a música ou
com a filosofia.
Hoje o mundo experimenta uma
grande crise de emprego. Não que não exista trabalho, o que minguou foi o
emprego. Aquele trabalho focado na iniciativa privada, com fins lucrativos.
Trabalho privatizado, pago por quem tem uma empresa e precisa crescer,
aprimorar e atingir novos mercados. As grandes empresas cresceram, alcançaram
novos mercados. Se estabilizaram em seu mercado consumidor. Já estabeleceram
suas posições, compraram seus concorrentes que ofereciam maior risco. Atingiram
certo grau de excelência administrativa que não requer mais tanta mão de obra.
E da mão de obra necessária nem é necessária grande competência. Os processos se
incumbem de mitigar os riscos de inexperientes. Os movimentos de crescimento
que ocorriam aqui, lá e acolá por onde se olhasse agora funcionam como esperança
dos que não perceberam a mudança de cenário, tanto quanto refutação para nosso
argumento. Nos pequenos focos de crescimento se aglutinam grandes porções de
desempregados reivindicando valores cada vez menores e se dando por contente com
uma oportunidade de emprego por tempo determinado, mesmo que terceirizado ou
quarterizado.
O emprego continuará existindo,
mas demandando cada vez menos profissionais e a população precisará encontrar
outros meios de subsistir. Hoje ainda temos esse enorme contingente de
desempregados procurando desesperadamente e em vão pelas antigas vagas de
trabalho.
O cenário mudou, definitivamente
mudou. Não é uma crise ou acomodação momentânea. O cenário mudou, mas ainda não
se reconfigurou. Veremos ainda muitas crises na educação, pois as faculdades
ainda estão formando profissionais para integrar esse mercado ora extinto. Nos
serviços, pois os restaurantes e lojas que funcionavam próximos aos escritórios
terão de se ver com o Home Office, com o desemprego etc.
Longe da tutela de um grande
emprego em uma grande empresa os profissionais precisarão buscar alternativas
para seu ganha pão. Em resposta a tudo isso vem ganhando força algumas ideias
que nem são assim tão novas, mas que surgem como válvula de escape. Economia
colaborativa, associativismo, cooperativismo, organizações do terceiro setor.
Economia de bens intangíveis onde se pode produzir sem agredir o meio ambiente.
Novos conceitos como uso substituindo
a propriedade. Compartilhamento de
serviços de espaços. Não nos basta “procurar” por oportunidade, precisaremos
criá-las. Todo o cenário descrito anteriormente também nos estimulou a um
individualismo que desembocou num certo grau de egoísmo, e essa característica
não é muito bem-vinda se pensarmos em ideias associativistas. A população civil
terá de se rearranjar, de se reagrupar, de criar cenários econômicos para além
de produzir e vender. É uma reconfiguração profunda nas ideias de empreender,
de trabalhar, de consumir, de ter, ganhar, comprar. Precisaremos visitar outras
páginas no dicionário para compreender o significado de contribuir, cooperar,
usufruir, utilizar, disponibilizar e inúmeros outros verbetes que há tempos não
visitávamos.
A maioria das faculdades,
sobretudo as grandes redes de ensino superior, não são mais empresas de
educação, mas sim empresas comerciais. Talvez tenhamos de remodelar a ideia de
escola. Diferente do modelo de empresa privada com fins lucrativos, para um
modelo cooperativo. Talvez não apenas formando um técnico apto para uma vaga de
emprego técnico ou burocrático, mas oferecer um real ensino superior.
Será melhor, como tenho
recomendado ao longo dos anos, primeiro verificar os talentos, os dons internos
das pessoas para depois ver como coloca-los a serviço não do emprego, nem da
indústria ou de bancos, mas sim da sociedade em geral, da coletividade.
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