Crise do emprego e a nova economia

(Por Jadir Mauro Galvão)

Crise do emprego e a nova economia
Vimos a distância em épocas recentes um alarmante desemprego na Grécia, Itália, Espanha e outros integrantes da chamada zona do Euro. Em 2008 os Estados Unidos sofreram com uma grande crise especulativa que também produziu um enorme contingente de desempregados. Incapazes de saldar a prestação de suas hipotecas, viram-se obrigados a abandonar suas casas e ir morar em trailers ou barracas de camping em terrenos vizinhos às suas antigas casas. Nós no Brasil parecíamos imunes, experimentando um momento de consumo que aquecia a economia, gerava empregos, tanto quanto dívidas, mas ai a corrupção desvelou sua face mais horrenda e instalou a crise palas bandas de cá também. Cada qual com sua particular justificativa para suas crises, o fato é que quem sofria era o emprego, e, claro o ex-empregado.
Culpa da especulação imobiliária, da corrupção, da crise econômica mundial.... É que nós nos habituamos a pensar que a economia é feita de empresas e de empregos. Nós, nossos pais, avós, amigos e parentes, vivemos em meio a uma época em que viver, prosperar era ter uma carreira, trabalhar em uma grande empresa, ter um bom mercado de trabalho. Ficamos tão absorvidos por essa ideia que ela assumiu feições de verdade e de naturalidade. É preciso certo distanciamento para perceber que essas ideias de emprego e mercado de trabalho são (senão foram!), um fenômeno atípico.
Um grande boom de emprego foi experimentado, sobretudo, após a segunda grande guerra mundial. Tínhamos uma Europa a ser reconstruída e todo o hemisfério sul para ser desenvolvido. Prédios, máquinas, viadutos, tuneis; alimentos a serem plantados colhidos e processados; ruas a serem asfaltadas e iluminadas. Tudo isso absorveu um enorme contingente de mão de obra que acompanhou esse progresso positivista em sua própria vida pessoal. A globalização e a mundialização ampliaram os mercados e, num primeiro momento ampliaram a oferta de emprego cá e acolá.
Mas os valores cultuados por esse mercado não permitem inchaço. Produtividade, redução de custos, fusões de empresas... chamamos isso de Excelência administrativa! Processos, boas práticas, sistemas de computadores, robotização... tudo isso reduziu sobremodo a necessidade de mão de obra tanto administrativa quanto produtiva. O próximo passo está nos postos de decisão. O desenvolvimento da Inteligência Artificial afetará o nicho pensante das empresas tornando obsoleto muitos MBAs caríssimos.
Não se trata de correr atrás de uma nova graduação ou pós, mas de entender que emprego é uma coisa, trabalho é outra. O mundo não está carente de trabalho, mas sim de emprego.
Emprego é “um” tipo de trabalho, que a iniciativa privada, com fins lucrativos, demanda ao seu bel prazer ou necessidade. Numa palavra emprego é o trabalho privatizado. Por isso é que aquela máxima de que basta de empenhar, batalhar, trabalhar duro, estudar para poder vencer na vida é falsa. A ideia de que todos têm oportunidades é falsa. As oportunidades são demandadas pelas empresas quando querem e só na medida de sua própria necessidade e interesse.
Não estamos falando de má fé ou procurando algum tipo de bode expiatório. Não são as empresas as culpadas da crise ou as grandes vilãs da decrepitude da nossa economia. As empresas trabalham dentro de determinados valores que elas mesmas cultuaram e disseminaram. Competitividade, produtividade; o privado, a obsolescência, o consumo; o profissionalismo a aplicação. Muito que leem o que acabei de escrever concordam com esses valores, mas sem se dar conta do que se tem de abandonar em prol deles. Competitividade prescinde da cooperação são ideias antagônicas. Ainda que as empresas fomentem cá e acolá a ideia de cooperação entre seus colaboradores, na prática isso resulta em pura competição. No afã de ser o mais produtivo possível os próprios valores da vida como a diversão, a brincadeira o relacionamento social sem intenção de network, ficam de lado. O privado rivaliza com o público; a obsolescência e o consumo destroem os recursos naturais.
Será preciso romper com alguns desses valores para poder desenterrar outros modelos de trabalho que não o do emprego. Algumas iniciativas já caminham nessa direção. Hoje compartilhamos carros (Uber), compartilhamos casas (hostels). As ideias de associativismo não são novas. Hoje já falamos em provedores de plataforma e provedores de conteúdo. Eu mesmo contratei um provedor de plataforma rádio web e provisiono conteúdo de filosofia.
Não é pensar em montar um negócio privado com fim lucrativo. A maior parte de nós não tem lucro, muitos até nem sabem direito o que é isso. Lucro é um excedente para além do trabalho, dos custos e mesmo dos investimentos. É excedente. Salário, junto com os diversos outros benefícios são a contrapartida do trabalho, mas nesse caso não há lucro. No negócio privado você precisa pagar por tudo. Não há quem se associe a você senão com vistas ao lucro. Na associação você soma iniciativas, soma esforços e compartilha os resultados.
Não há que se pensar em uma carreira de longo prazo. Temos múltiplas capacidades que nos permitem participar de projetos das mais diversificadas áreas. Alavancar um projeto de co-working, desenvolver um hostel, fazer pegar uma rádio web. Dar uma força para um amigo que precisa de conhecimentos em energia fotovoltaica ou mesmo atrair público para aquele bar ou festa. Experiências gastronômicas, experiências de cultura... múltiplas tarefas, múltiplas iniciativas, múltiplas possibilidades. Desenvolver um novo olhar. Um olhar que não mira num emprego, mas numa possibilidade. Que não mira no salário, mas nas conexões. Que não mira nas vantagens que obtém para sí, mas nas possibilidades que cria para todos. Que não pensa em organograma, mas em associações em rede ou em teia, como queiram. Onde não se pensa em motivar o outro, mas em criar valor para todos. Onde você não é o único responsável por criar o valor, mas permite que outros possam somar suas ideias e juntos compartilhar os valores (e não estamos falando em dinheiro) com todos. Onde não se pensa em comprar e vender, mas em disponibilizar, oportunidades, recursos, plataformas, informações, na medida de nossas possibilidades e toma-los na medida de nossas necessidades ou vontades.
Mas também precisaremos nos habituar com o incerto, com a mudança, com o improviso, com o provisório. Como diria Bauman: com o “líquido”. São inúmeros termos que já há tempos não visitam nosso vocabulário que por vezes ao tentar compreendê-los nossa consciência insiste em encaminhá-los para as ideias ainda arraigadas de propriedade, de lucro ou outros quetais. Com o tempo vamos digerindo esses assuntos, mas parece que não há mais tempo para continuar pensando em emprego. Eles não vão deixar de existir, mas certamente perderão o papel preponderante e o status que tiveram tempos atrás.

O processo de digestão pode até ser lento, mas o mundo está mais rápido e para nos inserirmos mais rapidamente nesses novos tempos e poder fazer a história mais do que ser somente passageiro dela, já está mais do que na hora de tentar entender esse novo cenário e seus valores e mais do que isso pautar nossos objetivos, metas e estratégias nesse novo paradigma econômico. Ou então ficar se lamuriando que o mercado está em crise e continuar procurando emprego.

Comentários

  1. muito bom!!! Uber, Hostels, Nubank, Spotfy, Amazon, Netflix, Loggi, precisamos nos acostumar com novos modelos, novos processos, novas tecnologias e novo jeito para ver negócios em geral.

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    1. Antes empreender era iniciativa privada com fins lucrativos. Agora temos empreendimentos sociais, cooperativos, criação de valor compartilhado... Ainda é preciso ruminar essas diferenças para não escorregarmos para o antigo.
      Obrigado Henry

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